sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Como funcionam as células


Introdução

Selo HowStuffWorks
O corpo humano é composto por células. Olhe-se em um espelho, o que você está vendo são cerca de 10 trilhões de células divididas em mais ou menos 200 tipos diferentes. Nossos músculos são compostos de células musculares, nosso fígado é feito de células específicas do fígado, e chegam a existir tipos específicos de células para os nossos dentes ou para o cristalino dos nossos olhos.
Se quiser entender como funciona o seu corpo, deve entender como funcionam as células. Tudo, da reprodução a infecções ou à maneira como ossos quebrados se recuperam, tudo acontece em nível celular. Se deseja entender novos campos de conhecimento como a biotecnologia e a engenharia genética, precisa entender as células também.
Quem costuma ler jornais ou revistas científicas (Scientific American, Discover, Popular Science) percebe que os genes são temas constantes de manchetes. Alguns termos que aparecem com freqüência são:
  • biotecnologia
  • combinação de genes
  • genoma humano
  • engenharia genética
  • DNA recombinante
  • doenças genéticas
  • terapia genética
  • mutações do DNA
  • identificação de indivíduos pelo DNA
Célula sintética
Cientistas conseguiram criar uma bactéria a partir de um código genético artificial, mas o presidente Barack Obama ainda quer um estudo sobre prós e contras da célula sintética.


A genética está mudando rapidamente a medicina, a agricultura e até o sistema judiciário.
Neste artigo, vamos mergulhar nas moléculas para entender por completo o funcionamento de uma célula. Vamos dar uma olhada nas células mais simples possíveis: as células de bactérias. Ao entender como funciona uma bactéria, é possível entender os mecanismos básicos de todas as células do seu corpo. Esse é um assunto fascinante devido à sua natureza pessoal e ao fato de que deixa essas novas notícias tão mais claras e fáceis de se entender. Além disso, assim que você entender como funcionam as células, vai poder responder outras questões relacionadas como:
  • O que é um vírus e como ele funciona, em relação a moléculas?
  • O que é um antibiótico e como funcionam os antibióticos? Como é que eles não matam as células normais?
  • O que é uma vitamina e por que precisamos ingeri-las todos os dias?
  • Como funcionam os venenos?
  • O que significa estar vivo, ao menos em nível celular?
Todas essas questões têm respostas claras se entendermos como funcionam as células.





Partes da célula

Seu corpo é formado por cerca de 10 trilhões de células. As maiores células do corpo humano têm mais ou menos o mesmo diâmetro de um fio de cabelo, mas a maioria das células do corpo humano são menores do que isso (cerca de um décimo do diâmetro de um fio de cabelo humano).
Passe os dedos pelo cabelo agora e olhe um único fio. Ele já não é muito grosso, tem cerca de 100 mícrons de diâmetro (um mícron é um milionésimo de um metro, então 100 mícrons correspondem a um décimo de milímetro). Uma célula humana comum pode ter cerca de um décimo do diâmetro do seu cabelo (10 mícrons). Olhe para o dedo minimo do seu pé, ele representa 2 ou 3 bilhões de células, dependendo do tamanho dele. Imagine uma casa grande cheia de ervilhas. A casa é o seu dedinho e as ervilhas são as células. 
As bactérias são as células mais simples que existem. Uma bactéria é uma célula viva, simples e auto-suficiente. Uma bactéria Escherichia coli (ou E. coli) é o exemplo típico, ela tem cerca de um centésimo do tamanho de uma célula humana (talvez um mícron de comprimento e um décimo de mícron de largura), o que a faz ser invisível sem o auxílio de um microscópio. Quando você está com uma infecção, as bactérias ficam nadando ao redor das suas células grandes como se fossem barcos à remo perto de um navio.
As bactérias são muito mais simples do que as células humanas. Uma bactéria consiste em um invólucro exterior chamado de membrana celular e um líquido aqüoso chamado citoplasma dentro dessa membrana. O citoplasma pode ter cerca de 70% de água. Os outros 30% são compostos de proteínas chamadas enzimas que a célula produziu, juntamente às moléculas menores como aminoácidos, moléculas de glicose e ATP. No centro da célula, encontra-se uma bola de DNA (semelhante a um novelo de barbante bem cheio). Se fosse esticar esse DNA até ficar um só fio, ele seria incrivelmente comprido em comparação com a bactéria (cerca de mil vezes mais longo).
Uma bactéria E. coli tem um formato de cápsula bem peculiar. A porção externa da célula é a membrana celular, exibida aqui na cor laranja. Na E. coli, na verdade, existem duas membranas muito próximas entre si protegendo a célula. Dentro da membrana há o citoplasma, formado por milhões de enzimas, açúcares, ATP e outras moléculas que flutuam livremente na água. E o DNA fica no centro da célula. O DNA é como um novelo de barbante bem cheio. Nas bactérias, o DNA não possui proteção, o novelo de barbante flutua pelo citoplasma nas proximidades do centro da célula. Ligado à parte externa da célula existem longos fios chamados deflagelos, que servem para impulsionar a célula. Mas nem todas as bactérias possuem flagelos, e nenhuma célula humana os têm (com exceção dos espermatozóides).
As células humanas são bem mais complexas do que uma bactéria. Elas contêm uma membrana nuclear especial para proteger o DNA, membranas e estruturas adicionais como mitocôndria e complexos de Golgi, além de uma variedade de outras funções avançadas. No entanto, os processos fundamentais são os mesmos tanto nas células humanas como nas células de bactérias.


Enzimas

A qualquer momento, todo o trabalho dentro de uma célula está sendo feito por enzimas. Se você compreende as enzimas, entende as células. Uma bactéria como a E. coli possui cerca de mil tipos diferentes de enzimas flutuando no seu citoplasma.
Enzimas têm propriedades extremamente interessantes que fazem delas máquinas de produzir reações químicas. O propósito da enzima de uma célula é permitir que essa faça reações químicas com bastante rapidez. E são essas reações que permitem que as células construam ou separem coisas conforme a necessidade. É assim que uma célula cresce e se reproduz. Simplificando bastante, uma célula nada mais é do que um saco cheio de reações químicas possibilitadas pelas enzimas.
As enzimas são feitas de aminoácidos e são proteínas. Quando uma enzima se forma, ela é feita pelo encadeamento de cem a mil aminoácidos em uma ordem muito específica e única. A cadeia de aminoácidos, então, se dobra para adquirir uma forma exclusiva. Essa forma permite que a enzima produza reações químicas específicas. Uma enzima age como um catalisador muito eficiente para uma determinada reação química. Ela aumenta muito a velocidade dessa reação.
Por exemplo, o açúcar maltose é feito de duas moléculas de glicose ligadas. A enzima maltase tem um formato específico que lhe permite quebrar a ligação e liberar dois pedaços de glicose. A única coisa que a maltase pode fazer é quebrar moléculas de maltose, mas ela faz isso de maneira muito rápida e eficiente. Outros tipos de enzimas podem colocar átomos e moléculas juntos. Separar e juntar moléculas é o trabalho das enzimas, e há uma enzima específica para cada reação química necessária para que a célula funcione corretamente.

A estrutura química da glicose

A maltose é composta por duas moléculas de glicose ligadas (1). A enzima maltase é uma proteína que tem um formato perfeito para aceitar uma molécula de maltose e quebrar essa ligação (2). As duas moléculas de glicose são liberadas (3). Uma simples enzima maltase consegue quebrar mais de mil ligações de maltose por segundo, mas somente irá funcionar com moléculas de maltose.
No diagrama acima é possível ver a ação básica de uma enzima. Uma molécula de maltose flutua nas proximidades e acaba sendo presa em um sítio específico da enzima maltase. O sítio ativo da enzima quebra a ligação e as duas moléculas de glicose se separam.
Você já pode ter ouvido que há pessoas que são intolerantes à lactose, ou quem sabe você mesmo tem o problema. Esse problema surge porque o açúcar do leite (a lactose) não pode ser quebrada em suas partes de glicose, e conseqüentemente o seu corpo não pode digeri-la. As células do intestino das pessoas intolerantes à lactose não produzem lactase, a enzima necessária para quebrar a lactose. Este problema mostra como a falta de apenas uma enzima no corpo humano pode criar problemas. Se uma pessoa intolerante à lactose engolir uma gota de lactase antes de beber leite, o problema se resolve. Mas muitas deficiências enzimáticas não são tão fáceis assim de se consertar.
Dentro de uma bactéria, há cerca de mil tipos de enzimas (a lactase é uma delas). Todas as enzimas flutuam livremente no citoplasma à espera de compostos químicos específicos passarem por perto. Há centenas ou milhões de cópias de cada tipo diferente de enzima, dependendo da importância que uma reação tem para a célula e da freqüência em que a reação deve acontecer. Essas enzimas fazem tudo o que for preciso para quebrar a glicose e ter energia para construir as paredes celulares, novas enzimas e permitir que a célula se reproduza. São as enzimas que fazem todo o trabalho dentro das células.


Proteínas

Uma proteína é qualquer cadeia de aminoácidos. Um aminoácido é uma pequena molécula que age como o bloco de construção de qualquer proteína. Se você ignorar a gordura, o seu corpo tem cerca de 20% do seu peso em proteína e cerca de 60% de água. A maior parte do resto do seu corpo é composta de minerais (por exemplo, o cálcio dos seus ossos).
Os aminoácidos têm esse nome porque contêm um grupo amina (NH2) e um grupo carboxila (COOH) que é ácido. Na figura acima, é possível ver a estrutura química de dois aminoácidos. Dá para ver que a parte superior deles é a mesma. E é assim para todos os aminoácidos, a pequena cadeia na parte inferior (o H ou o CH3 nestes dois aminoácidos) é a única coisa que varia de um para o outro. Em alguns aminoácidos, a parte variável pode ser bem grande. O corpo humano é construído por 20 aminoácidos diferentes (talvez haja 100 aminoácidos diferentes disponíveis na natureza).
No que diz respeito ao seu corpo, há dois diferentes tipos de aminoácidos: os essenciais e os não-essenciais. Os não-essenciais são aminoácidos que seu corpo pode criar a partir de outros compostos químicos encontrados no seu corpo. Já os aminoácidos essenciais não podem ser criados e devem ser ingeridos na alimentação. Esses são os diferentes aminoácidos:
    não-essenciais:
    • alanina (sintetizada a partir do ácido pirúvico)
    • arginina (sintetizada a partir do ácido glutâmico)
    • asparagina (sintetizada a partir do ácido aspártico)
    • ácido aspártico (sintetizado a partir do ácido oxaloacético)
    • cisteína (sintetizada a partir da homocisteína, que vem da metionina)
    • ácido glutâmico (sintetizado a partir do ácido oxoglutárico)
    • glutamina (sintetizada a partir do ácido glutâmico)
    • glicina (sintetizada a partir da serina e da treonina)
    • prolina (sintetizada a partir do ácido glutâmico)
    • serina (sintetizada a partir da glicose)
    • triosina (sintetizada a partir da fenilanina)
    essenciais:
    • histidina
    • isoleucina
    • leucina
    • lisina
    • metionina
    • fenilalanina
    • treonina
    • triptofano
    • valina
A proteína da nossa alimentação vem tanto de origens animais como vegetais. A maioria das fontes animais (carne, leite, ovos) fornece o que é chamada de "proteína completa", o que significa que contém todos os aminoácidos essenciais. Já as fontes vegetais geralmente contêm poucas ou não têm certos aminoácidos essenciais. Por exemplo, o arroz contém pouca isoleucina e lisina. No entanto, diferentes fontes vegetais são deficientes em diferentes aminoácidos, e é por isso que basta combinar diferentes alimentos para obter todos os aminoácidos essenciais durante o curso do dia. Algumas fontes vegetais contêm bastante proteína. Nozes, feijões e soja são muito ricos em proteína. Ao combiná-los, é possível ter a ingestão de todos os aminoácidos essenciais.
O sistema digestivo quebra todas as proteínas em seus aminoácidos para que eles possam entrar na corrente sangüínea. As células então usam os aminoácidos como blocos de construção para criar enzimas e proteínas estruturais.

Enzimas em atividade

Há vários tipos de enzimas trabalhando dentro das células humanas e de bactérias, e muitas delas são mais interessantes do que você imagina. As células usam as enzimas internamente para crescer, reproduzir-se e criar energia, e elas costumam excretar enzimas para fora das células também. Por exemplo, a bactéria E. coli excreta enzimas para ajudar a quebrar moléculas de alimentos e permitir que eles entrem pela parede da célula. Algumas das enzimas das quais você já ouviu falar incluem:
  • proteinases e peptidases - uma proteinase é qualquer enzima que consiga quebrar uma proteína longa em cadeias menores chamadas peptídeos (um peptídeo simplesmente é uma cadeia curta de aminoácidos). As peptidases quebram os peptídeos em aminoácidos individuais. As proteinases e peptidases costumam ser encontradas em detergentes para roupas (elas ajudam a remover substâncias como manchas de sangue dos tecidos por meio da quebra das proteínas). Algumas proteinases são extremamente especializadas, enquanto outras quebram quase toda cadeia de aminoácidos que aparecer. Talvez já tenha ouvido falar deinibidores de proteinase usadas nas drogas que combatem o vírus da Aids. O vírus da Aids usa proteinases muito especializadas durante parte de seu ciclo reprodutivo, e os inibidores de proteinase tentam bloqueá-las para impedir a reprodução do vírus;
  • amilases - as amilases quebram cadeias de amido em moléculas de açúcar menores. Sua saliva e seu intestino delgado contêm amilase. São a maltase, lactase e sucrase (descritas na seção anterior) que terminam de quebrar os açúcares simples em moléculas individuais de glicose;
  • lipases - as lipases quebram as gorduras;
  • celulases - as celulases quebram moléculas de celulose em açúcares simples. As bactérias nos intestinos de vacas e cupins excretam celulases, e é assim que vacas e cupins conseguem comer coisas como grama e madeira.
As bactérias excretam essas enzimas para fora de suas paredes celulares. As moléculas no ambiente são quebradas em pedaços (proteínas em aminoácidos, amidos em açúcares simples, etc) para que fiquem pequenas o bastante para passar pelas paredes celulares e entrar no citoplasma. E é assim que uma E. coli come.
Dentro de uma célula, centenas de enzimas altamente especializadas realizam tarefas específicas necessárias para a sobrevivência de uma célula. Algumas das enzimas mais incríveis encontradas no interior de uma célula são:
  • enzimas de energia - um grupo de dez enzimas permite que uma célula realize a glicólise. Outras oito enzimas controlam o ciclo de Krebs. Estes dois processos juntos permitem que uma célula transforme glicose e oxigênio em adenosina trifosfato, ou ATP. Em uma célula que consome oxigênio como a de uma E. coli ou de um humano, uma molécula de glicose forma 36 moléculas de ATP (em uma célula como a de levedura, que vive sem oxigênio, somente a glicólise ocorre e produz apenas duas moléculas de ATP para cada molécula de glicose). O ATP é uma molécula de combustível capaz de dar energia a enzimas ao realizar reações químicas "difíceis";
  • enzimas de restrição - muitas bactérias conseguem produzir enzimas de restrição, que reconhecem padrões muito específicos nas cadeias de DNA e quebram o DNA desses padrões. Quando um vírus injeta seu DNA em uma bactéria, a enzima de restrição reconhece o DNA do vírus e o corta, efetivamente destruindo o vírus antes que ele possa se reproduzir;
  • enzimas de manipulação de DNA - há enzimas especializadas que se movem pelas fitas de DNA e as reparam. Há outras enzimas que desfazem a dupla hélice das fitas de DNA para reproduzi-las (DNA polimerase). E ainda há as que acham pequenos padrões no DNA e se ligam a eles, bloqueando o acesso àquela seção de DNA (proteínas que se ligam ao DNA);
  • enzimas produtoras de enzimas - todas essas enzimas que mencionamos vieram de algum lugar, o que nos faz lembrar que existem enzimas que produzem enzimas. O ácido ribonucléico (RNA) em suas três formas diferentes - RNA mensageiro, RNA transportador e RNA ribossômico - é uma grande parte do processo.
Uma célula realmente não passa de um conjunto de reações químicas. E são as enzimas que fazem essas reações ocorrerem da maneira correta.


Fabricando enzimas

Contanto que a membrana de uma célula esteja intacta e essa célula produza todas as enzimas necessárias para continuar a funcionar corretamente, a célula está viva. As enzimas necessárias para que ela funcione corretamente permitem à célula criar energia a partir da glicose, construir os pedaços que formam sua parede celular, reproduzir-se e, claro, produzir novas enzimas.
E de onde é que todas essas enzimas vêm? E como é que a célula as produz quando precisa delas? Se uma célula é apenas uma coleção de enzimas que produzem reações químicas para que possa continuar a fazer o que faz, como um conjunto de reações químicas consegue criar as enzimas necessárias? E como a célula consegue se reproduzir? De onde vem o milagre da vida?
A resposta para essas questões reside no DNA ou ácido desoxirribonucléico. Certamente você já ouviu falar de DNA, cromossomos e genes. O DNA orienta a célula na hora de produzir novas enzimas.
O DNA de uma célula basicamente é um modelo feito de quatro partes diferentes, chamadas de nucleotídeos ou bases. Imagine um conjunto de blocos que possui só quatro formatos diferentes, ou um alfabeto com apenas quatro letras. O DNA é uma longa cadeia desses blocos ou letras. Numa célula de E. coli, o padrão do DNA tem cerca de 4 milhões desses blocos em sua extensão. Se você fosse esticar essa cadeia de DNA, ela teria 1,36 mm de comprimento, bem longa se considerarmos que a bactéria é mil vezes menor. Nas bactérias, o DNA é como um novelo de barbante amassado. Imagine pegar 300 metros de uma linha incrivelmente fina e enrolá-la. Com certeza ela caberia na sua mão. O DNA de um ser humano tem cerca de 3 bilhões de blocos de comprimento, ou cerca de mil vezes maior do que o da E. coli. O DNA humano é tão longo que a técnica de enrolá-lo acaba não funcionando. Em vez disso, o DNA humano é embrulhado bastante em 23 estruturas chamadas de cromossomos para embrulhá-lo melhor e fazê-lo caber em uma célula.
Mas o que é incrível a respeito do DNA é que ele não passa de um modelo que diz à célula como fabricar suas proteínas. As 4 milhões de bases no DNA da célula da E. coli dizem à célula como fabricar as cerca de mil enzimas que ela precisa para sobreviver. E um gene simplesmente é uma seção de DNA que age como um modelo para formar uma enzima.

DNA

Você já deve ter ouvido falar que a molécula do DNA é chamada de "dupla-hélice". O DNA parece duas linhas retorcidas juntas em uma longa espiral.

Imagem cortesia U.S. Department of Energy Human Genome Program
O DNA é encontrado em todas as células como pares de base compostos de quatro nucleotídeos diferentes. Cada um desses pares é formado por dois nucleotídeos complementares conectados. As quatro bases no alfabeto do DNA são:
  • adenina
  • citosina
  • guanina
  • timina
A adenina e a timina sempre formam pares, assim como a citosina com a guanina. Os pares se ligam como degraus de uma escada de construção:

Os pares de bases no DNA ligam-se para formar uma estrutura semelhante a uma escada. E como essa ligação ocorre em ângulos entre as bases, a estrutura toda se retorce em uma hélice.
Na bactéria E. coli, esta escada tem cerca de 4 milhões de pares de bases em sua extensão. E as duas pontas se ligam para formar um anel, que é enrolado para caber na célula. O anel inteiro é conhecido como genoma, e os cientistas já o decodificaram, ou seja, eles conhecem todos os 4 milhões de pares de bases necessários para formar o DNA da bactéria E. coli com precisão. O projeto do genoma humano está em processo de descobrir todos os cerca de 3 bilhões de pares de base de um DNA humano comum.

A grande pergunta

Lembre-se de que falamos anteriormente que as enzimas são compostas por 20 tipos de aminoácidos diferentes reunidos em uma ordem específica. Então, a questão é a seguinte: como é que você vai do DNA, que é formado de apenas quatro nucleotídeos, para uma enzima que contém 20 aminoácidos diferentes? Há duas respostas para essa questão:
  1. uma enzima extremamente complexa e incrível chamada de ribossomolê o RNA mensageiro, produzido a partir do DNA, e o converte em cadeias de aminoácidos;
  2. para escolher os aminoácidos corretos, o ribossomo leva os nucleotídeos em grupos de três para codificar os 20 aminoácidos.
O que isso significa é que cada três pares de base na cadeia de DNA codificam um aminoácido de uma enzima. Três nucleotídeos em seqüência localizados em uma fita de DNA são chamados de um códon. Devido ao fato de que o DNA consiste em quatro bases diferentes, e há 3 bases em um códon e também porque 4 x 4 x 4 = 64, há 64 padrões possíveis para um códon. E já que há apenas 20 aminoácidos possíveis, isso significa que há alguma redundância, ou seja, vários códons diferentes codificam o mesmo aminoácido. Além disso, há um códon de parada que marca o final de um gene. Por isso, em uma fita de DNA, há um conjunto de cem a mil códons (300 a 3 mil bases) que dizem aos aminoácidos para formar uma enzima específica, e um códon de parada para marcar o fim da cadeia. No começo da cadeia, há uma seção de bases chamada de promotor. Um gene, portanto, consiste em um promotor, um conjunto de códons para o aminoácido de uma enzima específica e um códon de parada. E isso é tudo de que um gene é formado.

Um gene consiste em um promotor, os códons de uma enzima e um códon de parada. Acima você pode ver dois genes. A fita longa de DNA em uma bactéria E. coli codifica cerca de 4 mil genes, e esses genes sempre especificam cerca de mil enzimas no citoplasma de uma célula de E. coli. Muitos dos genes são duplicatas.
Para criar uma enzima, a célula deve primeiro transcrever o gene do DNA no RNA mensageiro. Essa transcrição é realizada por uma enzima chamada de RNA polimerase. Essa enzima liga-se à fita de DNA no promotor, separa as duas fitas de DNA e, então, faz uma cópia complementar de uma delas em uma fita de RNA. O RNA, ou ácido ribonucléico, é muito semelhante ao DNA, com exceção de que ele fica feliz em ser solteiro e ter somente uma fita (ao contrário do DNA, que deseja formar fitas complementares no formato de dupla hélice). O trabalho da RNA polimerase é fazer uma cópia do gene do DNA em uma fita única do RNA mensageiro (mRNA).
Essa fita então flutua para um ribossomo, possivelmente a enzima mais fantástica que a natureza já criou. Um ribossomo olha o primeiro códon de uma cadeia de RNA mensageiro, encontra o aminoácido certo para aquele códon, segura-o, e então olha para o próximo códon, encontra o aminoácido dele, "costura" os dois aminoácidos. Depois, continua o processo de aminoácido em aminoácido. Em outras palavras, o ribossomo lê códons, converte-os em aminoácidos e "costura" esses aminoácidos para formar uma cadeia longa deles. Quando ele chega ao último códon, o códon de parada, o ribossomo solta a cadeia. Essa grande cadeia de aminoácidos é uma enzima. Ela se dobra no seu formato característico, flutua livremente e começa a fazer a reação para a qual foi criada.


Uma tarefa nada fácil

Obviamente, o processo descrito na página anterior não é muito simples. Um ribossomo é uma estrutura extremamente complexa de enzimas e RNA ribossômico (rRNA) ligado em uma máquina molecular maior. Um ribossomo é auxiliado por ATP, que lhe fornece energia enquanto ele caminha pelo RNA mensageiro e junta os aminoácidos. Ele também recebe a ajuda doRNA transportador (tRNA), uma coleção de 20 moléculas especiais que agem como transportadores para os 20 diferentes tipos de aminoácidos. Conforme o ribossomo vai se movendo para o próximo códon, a molécula tRNA apropriada, já com o aminoácido correto, posiciona-se no lugar correto. O ribossomo separa o aminoácido do tRNA e o prende à cadeia crescente da enzima. O ribossomo então impulsiona a molécula de tRNA "vazia" para que ela possa ir pegar outro aminoácido que se encaixe nela.
  1. Enzima do tipo RNA polimerase (amarela) prende-se à uma fita de DNA no promotor do gene. Então ela vai até o DNA e cria uma cópia em uma fita de RNA mensageiro (mRNA).
  2. Essa fita de mRNA flutua livremente e encontra um ribossomo.
  3. Um ribossomo (verde) liga-se ao mRNA e passa por toda sua extensão para formar uma cadeia de aminoácidos para a enzima que o gene representa.
  4. A cadeia de aminoácidos se dobra na forma característica da enzima e começa a funcionar. 
Como você pode ver, dentro de cada célula há uma variedade de processos que ocorrem para mantê-la viva:
  • há uma molécula muito longa e específica de DNA que define todas as enzimas de que a célula precisa;
  • há enzimas RNA polimerase ligando-se à fita de DNA nos pontos iniciais de genes diferentes e copiando o DNA do gene para uma molécula de mRNA;
  • a molécula de mRNA flutua para um ribossomo, que lê a molécula e "costura" a cadeia de aminoácidos que ela codificou;
  • a cadeia de aminoácidos flutua para longe do ribossomo e se dobra no seu formato característico para começar a catalisar sua reação específica.
O citoplasma de qualquer célula está cheio de ribossomos, RNA polimerases, moléculas de tRNA e mRNA e enzimas, todos executando suas reações de forma independente.
Contanto que as enzimas de uma célula estejam ativas e todas as enzimas necessárias estejam disponíveis, a célula continua viva. Aqui vai uma nota adicional interessante: se pegar umas células de levedura e fizer algo de ruim a elas (por exemplo, colocá-las em um processador) para liberar as enzimas, o líquido resultante ainda vai fazer as mesmas coisas que as células vivas faziam (por exemplo, produzir dióxido de carbono e álcool a partir do açúcar) por um certo tempo. No entanto, como as células não estão mais intactas e vivas, não são produzidas novas enzimas. Eventualmente, conforme as enzimas existentes vão se desgastando, o líquido pára de reagir. Nesse ponto, tanto as células como o líquido "morreram".

Reprodução

A marca registrada de todos os organismos vivos é a habilidade de sereproduzir. A reprodução de uma bactéria nada mais é do que outro comportamento enzimático. Uma enzima chamada DNA polimerase, juntamente a várias outras enzimas que trabalham com ela, passa por todo DNA e o replica. Em outros palavras, a DNA polimerase divide a hélice dupla e cria uma nova hélice dupla ao longo de cada uma das duas fitas. Assim que atinge o final do DNA, existem duas cópias separadas dele flutuando na célula de E. coli. A célula então abre sua parede celular no meio, divide as duas cadeias de DNA entre os dois lados e se divide no meio.
Sob as condições apropriadas, uma célula de E. coli pode se dividir dessa maneira a cada 20 ou 30 minutos. O processo enzimático de fazer a célula crescer, replicar o DNA e dividir-se acontece muito rápido.

Venenos e antibióticos

Agora dá para ver que a vida de uma célula depende do rico caldo de enzima que flutua em seu citoplasma. Vários venenos diferentes funcionam ao interromper o equilíbrio do caldo de alguma maneira.
Por exemplo, a toxina da difteria funciona colando os ribossomos de uma célula, o que impossibilita que ele caminhe pela fita do mRNA. A toxina em um cogumelo venenoso, por outro lado, paralisa a ação da RNA polimerase e interrompe a transcrição de DNA. Em ambos os casos, a produção de novas enzimas pára de ocorrer e as células afetadas pela toxina não podem mais crescer ou se reproduzir.
Um antibiótico é um veneno que destrói células de bactérias e deixa as humanas intactas. Todos os antibióticos se aproveitam do fato de que há muitas diferenças entre as enzimas dentro de uma célula humana e as enzimas dentro de uma bactéria. Se encontrarem uma toxina, por exemplo, que afete o ribossomo da E. coli e deixe os ribossomos humanos intactos, ela pode ser um antibiótico eficaz. A estreptomicina é um exemplo de antibiótico que funciona assim.
A penicilina foi um dos primeiros antibióticos. Ela atrapalha a habilidade da bactéria de construir as paredes celulares. Já que as células de bactérias e células humanas são muito diferentes, a penicilina tem um efeito grande sobre certas espécies de bactérias, mas não tem efeito nenhum sobre células humanas. As sulfonamidas funcionam ao desativar uma enzima que organiza a criação de nucleotídeos de bactérias. E sem os nucleotídeos, a bactéria não consegue se reproduzir.
Acho que agora você pode perceber que a busca por antibióticos ocorre em nível enzimático, caçando diferenças entre as enzimas de células humanas e de bactérias que possam ser exploradas para matar outras bactérias sem afetar células humanas.
O único problema com qualquer antibiótico é que ele perde sua eficácia ao longo do tempo. As bactérias se reproduzem tão rapidamente que a probabilidade delas sofrerem mutações é grande. No seu corpo, pode haver milhões de bactérias que o antibiótico consegue matar. Mas se somente uma delas tiver uma mutação que a torne imune a esse antibiótico, ela pode se reproduzir rapidamente e se espalhar para outras pessoas. A maioria das doenças causadas por bactérias ficaram imunes a alguns ou todos os antibióticos usados contra elas através desse processo.

Os vírus

Os vírus são incríveis. Embora não seja vivo por si só, um vírus consegue se reproduzir ao seqüestrar as partes de uma célula viva. O artigo Como funcionam os vírus descrevem os vírus detalhadamente, mas vamos lhe dar um resumo.
Uma partícula viral consiste em um invólucro viral ao redor de uma fita de DNA ou RNA. O invólucro e sua pequena fita de DNA podem ser extremamente pequenos, mil vezes menor do que uma bactéria. O invólucro costuma ser ornado com prendedores químicos que se ligam à parte exterior de uma célula. Após a conexão, o DNA (ou RNA, dependendo do vírus) viral é injetado na célula, deixando o invólucro para fora.
Nos tipos mais simples de vírus, a fita de DNA ou RNA agora flutua livremente dentro da célula. A RNA polimerase transcreve a fita de DNA e os ribossomos criam as enzimas que o DNA do vírus especificar. As enzimas criadas pelo DNA do vírus são capazes de criar novos invólucros e outros componentes do vírus. Nos tipos mais simples, esses invólucros então se armam ao redor das fitas de DNA replicadas. Eventualmente, a célula fica tão cheia de novas partículas virais que acaba estourando, libertando as partículas para atacar novas células. Ao usar esse sistema, a velocidade na qual um vírus pode se reproduzir e infectar outras células é enorme.
Na maior parte dos casos, o sistema imunológico produz anticorpos, que são proteínas que se ligam às partículas virais e impedem que elas se conectem a novas células. O sistema imunológico também pode detectar células infectadas ao descobrir células com invólucros virais e matá-las.
Os antibióticos não possuem efeito sobre um vírus porque o vírus não está vivo. As imunizações funcionam ao pré-infectar o corpo para que ele saiba como produzir os anticorpos certos assim que o vírus começar a se reproduzir.

Doenças genéticas

Muitas doenças genéticas ocorrem porque uma pessoa não tem um gene responsável por uma enzima específica. Aqui vão alguns dos problemas comuns causados pela falta de genes:
  • intolerância à lactose - a incapacidade de digerir a lactose (o açúcar do leite) é causada pela falta do gene da lactase. Sem esse gene, as células do intestino não produzem lactase;
  • albinismo - nos albinos, o que falta é o gene da enzima tirosinase. Essa enzima é necessária para a produção de melanina, o pigmento que causa o bronzeamento, a cor do cabelo e a cor dos olhos. Sem a tirosinase, não há melanina;
  • fibrose cística - nesse caso, o gene que produz a proteína chamada regulador de condução transmembrana da fibrose cística está danificado. De acordo com a Encyclopedia Britannica:
      o defeito (ou mutação) encontrado no gene do cromossomo número 7 de pessoas com fibrose cística cria a produção de uma proteína que não contém o aminoácido fenilalanina. Essa proteína defeituosa acaba alterando o movimento de sal e água através das membranas que revestem os pulmões e intestinos, resultando na desidratação da mucosa que normalmente protege essas superfícies. O muco espesso e pegajoso se acumula nos pulmões, tampando os brônquios e dificultando a respiração. Isso cria infecções respiratórias crônicas, normalmente com Staphylococcus aureus ou Pseudomonas aeruginosa. Tosse crônica, pneumonia recorrente e a perda progressiva das funções pulmonares são as maiores manifestações de doença pulmonar, que é a causa de morte mais comum em pessoas com fibrose cística.
Outras doenças genéticas incluem doença de Tay-Sachs (o gene danificado é o da enzima hexosaminidase A, que leva a um acúmulo de um composto químico no cérebro que pode destruí-lo), anemia celular (decodificação incorreta do gene que produz a hemoglobina), hemofilia (falta de um gene responsável pelo fator coagulante do sangue) e distrofia muscular (causada por um gene defeituoso no cromossomo X). Há cerca de 60 mil genes no genoma humano, e mais de 5 mil deles, se danificados ou ausentes, podem causar doenças genéticas. É impressionante que apenas uma enzima defeituosa possa levar, em muitos casos, a problemas que podem ser mortais ou até mesmo desfigurar uma pessoa.




Biotecnologia

Mas o que é biotecnologia e engenharia genética? Há três grandes desenvolvimentos principais que são uma espécie de assinatura de biotecnologia, com muitas outras surpresas vindo pelo mesmo caminho:
  • produção por bactérias de substâncias como o interferon humano, insulina humana e hormônio do crescimento humano, ou seja, uma simples bactéria como a E. coli pode ser manipulada para produzir esses compostos químicos e possamos colhê-los em grandes quantidades para usos medicinais. Bactérias também já foram modificadas para produzir todos os tipos de compostos químicos e enzimas;
  • modificação de plantas para alterar a resposta delas ao ambiente, doenças ou pesticidas. Por exemplo, tomates podem ganhar resistência contra fungos ao adicionar quitinase ao seu genoma. A quitinase quebra a quitina, que forma a parede celular de uma célula fúngica. O pesticida Roundup mata todas as plantas, mas as plantações podem ser modificadas adicionando genes que as deixem imunes ao Roundup. É o caso dos alimentos transgênicos.
  • identificação de pessoas pelo seu DNA. O DNA de um indivíduo é único, e há vários testes (relativamente simples) que permitem identificar amostras de DNA deixadas na cena de um crime, auxiliando a identificar o criminoso. Esse processo foi muito auxiliado pela invenção da técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR) para pegar uma pequena amostra de DNA e aumentar milhões de vezes em um período bem curto de tempo.
Para entender algumas das técnicas usadas na biotecnologia, vamos dar uma olhada em como as bactérias foram modificadas para produzir insulina humana.
A insulina é uma proteína simples normalmente produzida pelo pâncreas. Em pessoas com diabetes, o pâncreas não está em perfeito estado e não consegue produzir insulina. Já que a insulina é vital ao processamento de glicose no corpo, isso é um problema sério. E por isso muitos diabéticos devem injetar doses diárias de insulina em seus corpos. Antes dos anos 80, a insulina para os diabéticos vinha de porcos e era muito cara.
Para baratear o custo da insulina, o gene que produz a insulina humana foi adicionado aos genes de uma bactéria E. coli. Assim que o gene foi colocado no lugar, o maquinário normal da célula produziu-a assim como faria com qualquer outra enzima. Ao fazer cultura de grandes quantidades de bactérias modificadas e então abri-las e matá-las, a insulina pôde ser extraída, purificada e usada de maneira muito menos dispendiosa.
O truque é não colocar o novo gene na bactéria. A maneira mais fácil é combinar o gene em um plasmídeo, um pequeno anel de DNA que uma bactéria costuma passar para outra em uma espécie de sexo primitivo. Cientistas já desenvolveram ferramentas muito precisas para cortar plasmídeos normais e combinar os novos gêmeos neles. Uma amostra de bactérias então é "infectada" com o plasmídeo. Algumas acabam incorporando o novo gene ao seu DNA. Para separar as infectadas das não infectadas, o plasmídeo também contém um gene que dá imunidade contra um antibiótico específico às bactérias. Ao tratar a amostra com o antibiótico, todas as células que não absorveram o plasmídeo são mortas. Agora é possível fazer a cultura de novas gerações de bactérias E. coli para criar insulina em grandes quantidades.

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